domingo, 26 de agosto de 2007

Prisioneiro de Guerra

Eu no quarto ela no banheiro.A voz vem com aquele reverb do azulejo e conversamos coisas do dia que passamos juntos.Eu antecipando mentalmente os movimentos dela até o chuveiro ligar.Ligou.E foi ouvir o chuveiro prá eu sair que nem doido atrás do meu maço de cigarros.Tava dentro da bolsa do laptop no esconderijo 007 que é pra ela não achar e jogar fora meus preciosos tabacos !Escolhi a dedo na Casa das Malas o modelo Sansonite.Verde e preta.
Tirei da cafeteira meio copo e fui pra janela do apartamento.Fim de tarde.Domingo.São Paulo meio que querendo morrer junto com o sol entre os prédios da Paulista.Acendo o free e dou uma tragada.Fico meio tonto.Dia inteiro sem fumar, fazendo pose de bom moço.
Gosto do sol poente.Ao contrário do nascente que me dá um tipo de medo, certa angustia.Medo não, fobia.Não é fobia.Homens não tem medo ou fobia.E homem não chora.No máximo uma irritação.Nem isso, irritação é coisa de viado.Homens ficam putos.E gritam e quebram coisas.Então, reformulando, eu fico puto com o sol nascendo.E pronto.Só isso.
Não suporto ver.Pra ser franco mesmo com toda minha verdade e falando sinceramente sem mentira nenhuma : "EU ODEIO VER O SOL NASCER !"
Já o sol se pondo! Maravilhoso !Sensação de alivio, como se o peso do mundo saísse dos meus ombros.O fim da tarde no horizonte e o sol sumindo, queira Deus pra não mais voltar.Mas sempre volta.E traz com ele a dor que ninguém me explica.Da qual eu fujo.Como um louco.As vezes até correndo pra chegar em casa antes que me queime a alma com seus raios mortais.Antes que me reduza a pó.Mas nem sempre consigo.
E morro mais uma vez.

Presto atenção no chuveiro enquanto divago e fumo o prosaico cigarrinho.Já maquinei como fazer com a boca impregnada de nicotina.O macete é ficar na sala porque do banheiro ela vai direto pro quarto.É sair e eu entrar tirando a camiseta pela cabeça prá não dar beijo com bafo de onça.Uma vez trancado no banheiro terei tempo e recursos para eliminar os vestígios de minha indisciplina.Fui burro o bastante pra contar pra ela do médico.Agora fica no meu encalço.E faz chantagem do tipo “ou cigarro ou beijo”.Mas eu sou astuto.Grande estrategista.Me sinto como um general emboscado e com as tropas dizimadas e o inimigo se multiplicando e me cercando por todos os lados mas com coragem e força para lutar contra a horda inimiga que avança mas não intimida.
Ainda bem que tem essa sacada aqui no apartamento dela.E não prometi que ia parar, logo, não passo por mentiroso.Deixei claro que ia “tentar” e então sempre poderei alegar diante do flagrante que fracassei.Que não consegui.E prá despertar o instinto maternal ainda posso incrementar a coisa fazendo cara de vira lata frente a assadeira de frango e dizendo algo como "o que seria de mim sem você do lado pra me ajudar nesses momentos de fraqueza ?"
Só existem duas formas de se alcançar a clemência no ato do miserável flagra.A primeira é a estória-pronta.Bom recurso para os de pouca engenhosidade pois sua execução não exige grandes requintes.A estória-pronta tem gestos e falas em preset, tudo já salvo.Só precisa de uma interpretação convincente.Mas eu gosto mesmo é da segunda opção que eu chamo de “estória-Blues de 12 compassos”.Isso mesmo, improviso !Uma Jam session com um trio de baixo, batera e guitarra mandando o som na hora, captando as emoções e transformando tudo em musica.
Nesse caso a defesa vai sendo solidamente construída de acordo com a reação do acusador.Esse método funciona com a maioria das pessoas e na maioria dos casos.O percentual de probabilidade de acertos varia conforme a capacidade do acusado de misturar os elementos de maneira lógica argumentando sua defesa priorizando a compaixão mas sempre mantendo a dignidade em primeiro plano.Humilhar-se jamais !
Sou doutorado nesse método.O objetivo inicial é ganhar tempo.Por duas razões específicas :Juntar elementos que o inimigo fornecer e com eles compor mentalmente uma defesa inabalável.É importante não tentar tirar um "coelho da cartola".E usar o cenário do crime.É o que garante uma finalização convincente e o Santo Graal dos flagrados : a Saída Honrosa.
Nada melhor que ouvir o inimigo nessas horas.Momentos assim se revelam boas oportunidades para discutir relacionamentos desgastados e propor barganhas.Vale até usar como trunfo os erros do inmigo, pois uma guerra é uma guerra e não devemos nos orientar pela ética em uma crise de proporções mundiais !
É meio indigno isso mas diante de um vexaminoso flagrante vale até mesmo a covarde artimanha de dividir a culpa falando primeiro com arrependimento, depois com autoridade :

"Tudo bem, estou errado, fumei mesmo.Admito.Mas e você ?E o seu Orkut ?Aquele monte de marmanjos ??"

Respire fundo e fale como um homem; sinta em seus ombros o peso da confiança que todos os homens esmagados pela tirania das mulheres depositou em você nesse momento inenarrável.Não se deixe abater.
Mas fale com o intuito de apenas ganhar tempo.Evite se concentrar nas acusações que virão.
Ela vai começar replicando com ar cínico sobre as suas mensagens, sobre o monte de mulheres em cima de você, vai te acusar de um monte de faltas.Vai parecer um rádio ligado no volume máximo!
Se imagine em outro lugar, procure não ouvir os sons, as lamúrias, os xingamentos.Concentre-se apenas no movimento dos lábios e se algum objeto voar na sua direção, desvie.De vez em quando tente emitir algum som.Pode ser monossilábico mesmo.Do tipo indagador ( hã ? ) ou com a mão no queixo ( hum ! ) ou ainda gesticulando e com ar irônico ( Ah ! ).
Não faça movimentos bruscos e preencha com esses sons apenas os espaços na fala do interlocutor.Use esses minutos de ouro para trabalhar mentalmente a sua defesa.
Mas não subestime o inimigo.Via de regras tenha uma estória-pronta em stand by e de vez em quando dê uma aperfeiçoada nela.Pode ser a tábua da salvação se a capacidade criativa estiver com níveis insuficientes.Esse é o segredo milenar que passo adiante e que pode salvar sua vida diante de um embaraçoso flagrante, seja ele qual for.

Enquanto fumo observo a janela do prédio em frente.Firmo a vista.Peitos na janela do prédio em frente.Fico ligado.Loira, grandona.Ela me vê e fecha rápido a janela.Não sem tempo pra eu classificar na categoria das mais fracas.
Alias, ultimamente ando pelas ruas e nem olho mais peitos e bundas. Quando namoro a mulher com quem eu tou vira o centro dos meus fetiches.As vezes que olho uma passante é pelo puro e inevitável instinto e reflexo incontrolável que reside no código genético de todo macho desde os primórdios da humanidade.É como se meu olhar de caçador ancestral avaliasse pelas ancas a capacidade da fêmea de reproduzir um filho meu e dar continuidade a minha arvore genealógica.Olhar uma mulher na rua tem uma intenção nobre.É um compromisso com a evolução da nossa espécie; um sofisticado processo de seleção que determina a qualidade dos genes dos seres humanos das gerações vindouras.É pena que as mulheres pouco entendem disso.E nos beliscam as costelas.
E por falar em peitos e bunda gostosa não ouço mais o som do chuveiro.Meu Deus, o chuveiro desligou !Ela terminou o banho !
E me viro e a pessoa amada arranca o free dos meus dedos, joga maço com isqueiro e tudo na pia, abre a torneira destruindo meus pitantes e fica gritando e me passando sermão.Só falta me bater.Não, não falta.Saio correndo pro quarto e ela vem atrás jogando sapatos e objetos em mim.Um cd do George Strait com caixinha e tudo acerta meu cocuruto.Dói.Consigo fechar a porta depois de alvejado mais algumas vezes e por objetos de todos os tamanhos.
Fico segurando a porta.O tempo passa.Silencio do outro lado.Num lampejo de consciencia a covardia dá lugar a hombridade e me vejo como representante da classe masculina de todas as nações e de todas as gerações.Respiro fundo.É uma crise de âmbito mundial e o destino do Universo está em minhas mãos.Sinto que é chegado o momento glorioso de reafirmar minha dignidade e deixar para a posteridade um legado que sintetize a honra e a coragem de um homem lutando até a morte por seus direitos, por seu livre arbítrio.Ouvindo em minha alma a canção de guerra de meus ancestrais e imbuído de sentimentos de patriotismo tal qual um verdadeiro mártir em defesa do ideal supremo abro a porta com a coragem de um kamicase e grito o brado glorioso com a voz de todos os homens oprimidos : "E o seu Orkut ??"
Um pé de Carmen Stefens prateado bate na minha testa.Dói demais.Tranco de novo a porta e vou me entrincheirar debaixo da cama.

O general agora é um prisioneiro de guerra reavaliando suas estratégias.

19 comentários:

Unknown disse...

Suas histórias...são sempre interessante...é bom entender..que voce vive em aventura, mas não deixa jamais de ser o que é
te adoro toninho..
espero que nunca esqueceu de mim

bjs Dany caden.

Anônimo disse...

Lindo...lindo !!!!
tou jutando seus contos mostrei na facu e todo mundo aprovou.
mto fino o jeito seu de brincar com as palavras.

bjuxx no core

chris

Anônimo disse...

Boa garotoo !!
tá escevendo um livro online hã ???
tem estilo e firmeza na prosa !
sou fregues quando publicar !

Jamanta ( nacional )

Luzi disse...

Acho que estes é o seu Best Seller...adorei...até dicas de como entender os homens vc deu... além de divertido, inteligente tem muito a ver com o que estou vivendo no momento...o tal ORKUT...
Ah! Este orkut!Maldito ou Bem Dito?Depende da ocasião ou o momento que vc está vivendo... ao mesmo tempo que Inicia, ele também acaba relacionamentos...viu como a gente viaja no seu blog quando lemos seus pensamentos...to viciando no seu blog...Você é o melhor!

Beijos

LUZI

Anônimo disse...

Parecem as cronica do para gostar de ler !!!!
voce pra mim ta entre os grandes TM;
Sabe como pegar uma coisa comum do dia a dia e fazer um enredo criativo, humano.Parabens por mais esse dom que revelou pra gente !
Tou acompanhando hein ?

Vinny

Anônimo disse...

Por que você não para fumar cowboy? Emaranha simplifica sua história e lhe faz cheira melhor.
Morgana Blond

Anônimo disse...

Show de bola... adorei demais, dei muitas risadas, como você é criativo em escrever, e consegue nos colocar no lugar, no exato momento e imaginar a cena...Simplesmente adoreiiii...Andréia Bizzio

Luzi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luzi disse...

Ah! que pena que não há continuação da historia...deixa pra proxima...


Bjos Tony, adoro voce...fica com Deus Amigo.

Sua Fã

LUZI_Lila

Anônimo disse...

Vc e mesmo muito inteligente!!!! Sabe direitinho o q diz, vc nasceu psicologo das mulheres!USA

Anônimo disse...

Nossa gato vc além de tocar muito bem, ainda escreve muito bem,vc é fantásrico gato,Gosto tanto que leio e releio. Vivianne Isabella

Anônimo disse...

Sou sua fã duas vezes milllllllll, gosto de te ver tocando,e adoro ler o que vc escreve,Mas ve se não demora muito gato,sinto saudades da sua literatura. beijo grande em seu coração, sua fã incondicional. Vivianne Isabella

Eliane Andrade disse...

AAhhh...não tinha como esperar menos de você, neh TM??!!
Incrível, viciante, perfeito!!
Sem dúvida o melhor blog!!

Me espelho em voce garotooo...

bju
bye
=D

Anônimo disse...

sempre te amei...nunca te esqueci.

Ny

Anônimo disse...

Amei suas histórias...más esta em especial me chamou a atenção.
Fico imaginando os prédios, vc fumando,sua amada etc...
Pode escrever um livro que eu terei o prazer de indicar para meus clientes sucesso vc merece!!! bjus

Anônimo disse...

SIMPLISMENTE MARAVILHOSO! SEM COMENTARIOS PRA ESTA INTELIGENCIA E CAPACIDADE DE FAZ AS COISAS BEM FEITA! VC E INCRIVEL! CONGRAT"S U R THE BEST!

Anônimo disse...

"Prisioneiro de Guerra" Assim como o sol que tantas vezes e citado..
Incrivelmente perfeito... o uso das palvras, o uso generoso da criatividade. Mexe sem duvida com os institos.. desenvolve o pensmamento...
Parbéns

Luzi disse...

Oi Toninho, faz tempo q não apareço por aqui, estava com saudades de seus pensamentos....Kd?

Perdeu a vontade de escrever ou está sem inspiração?

Volte amigo, para teus pensamentos...concentre-se...sei q terá coisas maravilhosas para escrver e nos ensinar um pouco da vida...adoramos.

bjos.

Unknown disse...

ai ai ai rsrs muito bom!!! Parabéns! Mto bom, vc mostra conhecer bem ouniverso feminino e ainda nos ensina a entender o masculino! Mais uma vez, parabéns